domingo, 27 de janeiro de 2013

O DESAFIO DOS FUNDOS DE PENSÃO



O DESAFIO DOS FUNDOS DE PENSÃO
Marco Antônio dos Santos Martins (*)

Ao longo das últimas décadas, a questão previdenciária tem sido um dos grandes temas de discussão nacional, tendo em vista os seus impactos sobre o equilíbrio das contas públicas e sobre a capacidade de investimento estatal, bem como na qualidade de vida pós-laborativa do trabalhador brasileiro.
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi concebido a partir do modelo de repartição simples, o qual está estruturado no financiamento dos benefícios dos aposentados e pensionistas com base nas contribuições dos trabalhadores ativos. O pressuposto para a sustentabilidade deste modelo no médio e longo prazo é o equilíbrio entre contribuintes e aposentados.
A relação entre contribuintes e beneficiários da previdência social brasileira vem se deteriorando drasticamente, tendo saído de uma confortável relação de 7,9 em 1950 e 4,5 em 1970, para a casa dos 3,0 em 1980 e chegando aos preocupantes níveis quando atingiu 2,5 em 1990 e a 1,2 a partir do ano de 2002, sendo fruto de uma combinação da  redução da taxa de fecundidade da mulher brasileira, que caiu de 6,2 filhos em 1940 para 2,3 filhos em 2000, e do aumento da expectativa de vida da população. Em linhas gerais, o nítido envelhecimento da população brasileira vem contribuindo fortemente para o desequilíbrio do sistema de previdência público, estruturado a partir do sistema de repartição simples, representando sucessivos e crescentes déficits nas contas previdenciárias.
 Dentro deste contexto, o sistema de previdência privada complementar, criado nos anos 1970, representa uma alternativa cada vez mais importante para a população brasileira como instrumento capaz de assegurar uma renda de aposentadoria compatível com a renda obtida ao longo da vida laborativa. Além disso, estruturado a partir do sistema de capitalização, o sistema de previdência complementar privado tem se transformado num instrumento de financiamento de projetos de médio e longo prazo na economia brasileira.
Embora as entidades fechadas de previdência privada (EFPC) -  fundos de pensão - tenham crescido significativamente em termos de participação na poupança nacional, com ativos que, segundo o Consolidado Estatístico da ABRAPP (Jun/2012), representavam R$ 596,5 bilhões e 14,5% do PIB em junho de 2012, tudo indica que o sistema de mensuração de desempenho e de otimização dos resultados em termos de risco x retorno não está conseguindo evoluir na mesma velocidade que outros segmentos do mercado financeiro brasileiro.
As EFPC captam recursos de seus participantes, aplicando-os no mercado financeiro e de capitais para, no longo prazo, devolvê-los juntamente com os rendimentos aos participantes, sob a forma de proventos de aposentadoria e pensão. Considerando que o horizonte temporal do investimento é de longo prazo, tais entidades precisam dispor de processo decisório sistematizado e transparente, visando um gerenciamento eficaz da relação de risco x retorno.
A administração de carteiras de fundos de pensão é uma questão clássica na área de economia e finanças, na medida em que um fundo de pensão é uma entidade que precisa maximizar rentabilidade de carteira dentro de determinados níveis de risco adequados às exigências atuariais.
As exigências atuariais, por sua vez, dependem de uma série de variáveis, tais como comportamento do crescimento da massa salarial, turn-over, tempo de contribuição de cada participante, idade média dos participantes do plano e taxa mínima de rentabilidade atuarial – taxa de juros utilizada para descontar os fluxos futuros. Como  consequência, o equilíbrio do plano depende da otimização dos resultados da carteira de investimentos e do comportamento do passivo atuarial.
A grande maioria dos planos dos fundos de pensão possui uma exigência atuarial equivalente a juros de entre 5% e 6% ao ano acrescido da variação do INPC – IBGE, Índice Nacional de Preços ao Consumidor calculado pelo IBGE para famílias de até 8 salários mínimos.
No Brasil, a exigência legal para a medição de riscos em carteiras de investimentos de fundo de pensão ainda é uma ideia relativamente recente, sendo introduzida pela primeira vez em 2001, com a Resolução 2829/01 do Conselho Monetário Nacional, que exigiu a medição formal dos riscos nas carteiras de fundos de pensão. Todavia, nos últimos anos, o risco soberano foi capaz de proporcionar taxas de juros reais capazes de atender às exigências atuariais dos fundos de pensão, sem gerar necessidade de grandes alocações mais arriscadas para manter o equilíbrio entre o ativo e o passivo atuarial.
No entanto, conforme o quadro a seguir, as taxas reais de juros no Brasil estão em um dos patamares mais baixo dos últimos anos. Tal fato irá exigir muita atenção dos gestores, pois as aplicações de recursos tendem exigir o alongamento do prazo médio de vencimento dos títulos da carteira, ou seja, os fundos precisarão gerenciar seus fluxos de caixa pois será necessário abrir mão da liquidez imediata para buscar alavancar ganhos. Além disso, o conforto de alocar a maior parte da carteira em títulos públicos federais de alta liquidez com baixo risco de mercado e de crédito não é suficiente para atender as metas atuarias dos planos, o que vai exigir a aquisição de produtos com maiores riscos tanto de crédito como o de mercado.

Fonte: IPEADATA.
Assim, dentro desta realidade, alguns de forma mais tímida, outros de forma mais agressiva, os fundos tem modificado, gradativamente suas alocações, incluindo produtos com menos liquidez e mais risco.
De outro lado,  desde a criação dos fundos de pensão, nos anos setenta, até o ano de 2001, as patrocinadoras dos fundos de pensão – em sua maioria, grandes empresas estatais -  eram responsáveis pela indicação da gestão e, em última instância, pelos desequilíbrios atuariais.
Essa realidade começou a mudar a partir do final da década de noventa que  culminou com a edição das Leis Complementares 108/01 e  109/01 que instituíram, dentre outras inovações, a eleição direta de 1/3 dos gestores de fundos de pensão pelos participantes e a co-responsabilidade dos déficits atuariais entre participante e patrocinador.
De forma concomitante, o Conselho Monetário Nacional - CMN,  órgão regulamentador da aplicação e gestão de ativos dos fundos de pensão, editou a Resolução  2829/01, a primeira resolução a dar mais liberdade na alocação de ativos, exigindo em contrapartida a existência de um controle formal de exposição ao risco, que evoluiu até chegarmos a atual Resolução 3792/09, que introduziu dentre outros avanços, a exigência da construção de uma política de investimentos, a medição formal dos riscos e o estabelecimento de um gestor tecnicamente qualificado.
Adicionalmente, a Resolução CGPC N° 13, de 01 de outubro de 2004 estabelece princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos a serem observados pelas entidades fechadas de previdência complementar - EFPC.
Em outras palavras, a gestão de recursos em um fundo de pensão constitui-se em um processo rotineiro, em que se busca maximizar retornos em um ambiente incerto. Dentro desta lógica, gerenciar riscos é uma tarefa intrínseca dos gestores. A existência de um marco regulador capaz de induzir a implementação de técnicas mais sofisticadas de gestão de risco é um passo importante para os fundos de pensão brasileiros.  No entanto, o marco regulador e os modelos são apenas ferramentas e, por si só, não são suficientes, sendo necessária a existência de uma cultura capaz de compreender, implementar e gerenciar riscos com eficácia.
O cenário atual é propício para que se evolua nesta direção, pois os esforços regulatórios no sentido de estimular a gestão de risco estão ocorrendo em um momento em que estão acontecendo mudanças na composição das carteiras, face aos novos patamares das taxas de juros que, certamente, demandarão alocações em ativos com maior exposição aos riscos e com menos liquidez.
Assim, cabe as entidades estruturarem-se cada vez mais, no sentido de fortalecer seus sistemas de controles internos e suas práticas de governança no sentido de implementar práticas capazes de gerenciar com transparência e eficácia os riscos das carteiras visando a otimização da relação de risco x retorno.
Adicionalmente, cabe aos participantes exigirem de seus dirigentes posturas transparentes na gestão dos recursos, cobrando eficácia na atuação dos conselhos de administração, conselho fiscal e auditoria independente. Pois tais órgãos precisam estar estruturados com a qualificação e independência necessária para atuarem no sentido de gerar resultados consistentes no longo prazo.
Por fim, cabe intensificar a luta para que as autoridades estruturem cada vez mais os órgãos reguladores e fiscalizadores para que eles possam cumprir o seu papel de forma eficaz e tempestiva.

(*) Doutor em Administração pela UFRGS, Presidente da Apimec Sul, Professor Universitário e Consultor de Investimentos.


[ Divulgação autorizada pela Presidência da ANBERR - Associação Nacional dos Benefíciários do Reg e Replan http://www.anberr.org.br/noticias.php?opcao=noticias ]
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